quarta-feira, 30 de maio de 2007

Carta para um amor acabado

Sentados no banco, eu e você jogamos xadrez para encontrarmo-nos no tempo novamente, remediando o não em meio ao nada e tudo que seria e não aconteceu.
Já te disse que éramos amigos porque eu temia a chuva e você me levava de encontro à ela? Parece que naqueles dias o céu desfazia-se em lágrimas pra nos lavar à alma de barro. As coisas estavam no lugar porque eu tinha preguiça de “Ser” aquelas tardes, e sabia que o horizonte era alaranjado porque o frio tomava conta do entardecer de meus sonhos. Você não precisava ter dito, eu já tinha lido em cada gota de chuva em sua face que você iria embora sem deixar rastros. E você sabe, nunca acreditei que existi ao seu lado. Eu fui a construção de um castelo de cartas falsas, que além de inabitável era constituído apenas por um outono coberto por folhas secas e sem vida. Hoje a praça que foi um pedaço de nós mostra-se tão nova-iorquina quanto os seus olhos. Em meio a frieza dos olhares e do céu cinza, encontro resquícios do que fomos. Você foi apenas poesia inacabada de poeta cego perante as belezas da vida. Não quis te entreter com o verde água de meus olhos nem com as minhas mãos que delineavam o horizonte que agora era distante, afinal nunca tive olhos verdes e nunca vimos juntos o horizonte.
O tempo foi embora , me distraí e ele escapou-me pelas mãos junto com os sussurros, as cartas em meio ao pó e seus olhos despedindo-se da imensidão do que nunca fomos. Vejo daqui seus passos ao longe, escrevo músicas sobre uma vida que não era, não foi e não será. E em meio a tudo que restou tenho uma carta. Hoje reino em minha vida e contemplo novamente o medo, parece que finalmente encontrei o caminho por onde estou “Sendo”. Seus olhos frios estão distantes agora, vez ou outra ouso tocar a paisagem do meu coração pra te procurar. Não te encontro....
Você foi embora junto com a madrugada. E junto aos cacos ficaram apenas os dias que foram contigo, você foi em minha alma paraíso distante porém quando encontrava-te derramava o sangue de meus olhos em sua presença e me colocava diante de seus caprichos, você era soberana perante tudo que senti.O jogo acabou e sei que você viu em meus olhos que construí uma muralha diante de nós, essa muralha que me embriaga, me renova e me tonteia, essa muralha que chamamos de amor de verdade...
A você Solidão não resta mais fresta em meu peito, nem brecha em meu coração, o que fomos ficou apenas como resquícios do passado e lá, como haveria de ser, permanecerá.

Ass.: O que ama de verdade.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Cheiro de tinta fresca

Algo surge em minha casa, entra pelas minhas narinas e me deixa tonta. Sento, e já não posso pensar como foi que deixei-me ficar naquele estado. Osvaldo deve demorar-se, é longa sua estrada, sua viagem e há tempos deixei de me importar com isso e percebi que não somos pedra no mesmo caminho. Adquiri hábitos estranhos nesses anos, coleciono fotos dos lugares que não visitei, dos sorrisos que não vi, e das borboletas no meu jardim que nunca observei. Limito-me ao mundo do não ser, porque nunca me contentarei com o meu, o meu mundo é cinza e opaco pelos olhos da grande Avenida Paulista.
Sete e trinta o relógio toca, levanto-me custosamente, aprecio meus lençóis de cetim, minhas xícaras e o andar geometricamente correto de minha vida. São oito da manhã e pressinto que irei me atrasar. Ora bolas! Ir pra lugar algum é trabalho enfadonho, e hoje faço e digo o que quero pelo meu bem-especificado-mal-estar. Hoje faço plantação no ócio de minha casa e rego doenças no ouvido dos colegas de trabalho. Afinal, não me importaria de ser dispensada, nunca precisei financeiramente daquele emprego, aquilo é só uma distração do tempo quando ele, o próprio tempo, não esta.
Osvaldo chega. Olha-me com desconfiança, observa meu andar e meu olhar que levam-me pra longe. Abraça-me tematicamente e diz:
-Voltei antes, sinto falta da agitação.
Olho-o com ternura, e ele me pergunta o porquê. Calo-me. Osvaldo me persegue, pega-me pelo braço, e me pergunta porque o olhar de desdém.
-Não é desdém é ternura.
-Por que ternura?
-Estou me despedindo do seu rosto.
-Como?
-Despeço-me de seu rosto com antecedência, isso torna sua distância indiferente.
Osvaldo não é burro, mas ele não me entende. Nunca pedi que me compreendesse, mas ele se esforça e nesses dias acho uma pena que não ensinem na escola que mulher é bicho incompreensível.
Tomou seu banho e novamente olhava-me com indagações:
-O que tem? Não foi trabalhar por quê?
Olho-o novamente com ternura e digo:
-Hoje o tempo me deu uma trégua.
-Você esta debochando, mulher? Está estranha.
-Quero voltar pra casa Osvaldo... Sinto o cheiro de leite fresco, das romãs no quintal e quase posso ouvir as meninas gritando na janela.
-Você de novo com essa história...
Baixo os olhos e penso que de novo tento me libertar do sepulcro de uma mulher amordaçada e cansada de ser ela. Em vão Catherine .... Em vão...
-Irei dormir, o cheiro de tinta me deixa tonta.
-De onde vem?
-Não faço idéia...
-Deve ser do vizinho.
(...)
Osvaldo chega no quarto algumas três horas depois, sua mulher dorme tranquilamente e profundamente. Ele estranha aquela serenidade. Observa ao seu redor e vê um frasco de comprimidos vazio. Osvaldo olha-a atentamente e pensa: Ela nunca foi desordeira... Deve ser o cheiro de tinta fresca.


segunda-feira, 7 de maio de 2007

Fim... De noite.

O som de seu sapato junto a calçada ao andar me lembrava Comptine d'Un Autre Été, eu teria dito isso se soubesse pronunciar ou quisesse pronunciar algo. Tínhamos um pacto, éramos duas almas errantes que acertavam compromissos distantes, possuíam o dom de amar cinema, um copo de vodka e meia dúzia de frases ditas que esqueceríamos com o tempo, assim como nossas promessas, sonhos vazios e momentos de cumplicidade.
-Um dia, te roubo e vamos morar na Suécia... Quero ser uma sueca que coleciona selos. Você me acharia bonita coberta de casacos?
-Você não ficaria coberta de casacos ao meu lado.
Sorrimos...
Alguns instantes atrás eu a tive em meus braços, sua pele era branca como o leite, seus lábios eram doces, eu sabia que o desejo era algo que crescia dentro de mim como veneno. Sabia que tudo iria se perder se eu quisesse possuí-la, que tudo seria clichê, não seria mais nosso.
-Posso acompanha-la até em casa?
-Não é necessário, esse horário a rua esta acesa, os vizinhos cintilantes por uma fofoca e os guardas sempre passam por lá.
-Eu realmente gostaria de acompanha-la.
Ela me olhou com a indagação “por que?” presa em cada ponto de seus olhos.
-Se você preferir... Mas saiba que eu nunca faria isso por você.
Baixo os olhos, e imagino porque ela diria isso, ela era a esfinge e eu precisava decifrá-la. Fiquei mudo, apenas ouvindo o som de seus sapatos que se tornavam mais rápidos, talvez fosse a hora... Naquele instante vi em seu sorriso palavras que ela não iria dizer, momentos que não iríamos viver, calei-me e não foi necessário dizer mais nada. Ela, como poucas, entendia meu silêncio em meio aos seus gestos.
-Você quer me acompanhar pra descobrir onde moro?
-Não, apenas quero fotografar seu sorriso em minha mente várias vezes, só pra ter certeza todos os dias ao acordar que já me encontrei.
Silêncio novamente.
-Daqui em diante vou sozinha, até mais.
-Até mais, você conhece o caminho de minha casa, volte quando quiser.
Sorriu...
Fiquei lá, parado, ouvindo Comptine d'Un Autre Été se afastar. Ambos sabíamos que ela iria sumir sem dizer onde ou porquê. Isso era ela deixando de ser nós pelos seus ideais.
E entre minhas correspondências:
“Tenho em você um vilão, você me rouba as melhores horas do dia, só ao seu lado posso tê-las. Quero que seja paciente e leia tudo com atenção. Juntos seriamos aquele típico casal. Aquele que descrevemos quando nos conhecemos, e que eu quero fugir. Eu poderia te fazer todas as declarações, mas seriam tão falsas. E nunca te enganei, você sempre soube. O beijo não seria sincero e muito menos o sorriso. Eu posso te dar tudo menos amor, posso te dar meu afeto, meu ombro e minhas noites de gafes e estado etilicamente alterado, poderia te dar todos os meus livros... Mas não me peça mais isso, seria sua amiga, riria da sua cara de bravo ao me ver desligada do mundo, e saberia o que te dizer quando me cobrasse atenção e me pedisse pra te olhar nos olhos, mas não quero lidar com isso, não posso lidar com isso! E você me entende, e o mais importe, sei que você compreende. “Somos pássaro novo longe do ninho, lembra?”. Você agora busca algo que diverge do que quero, e nosso tempo acabou. Saiba que dentro de tudo, não te amei, mas em segundos restritos, sentia em meu sangue resquícios do teu. Tenho medo do que seremos no futuro, e não quero mais ter medo. Adeus. Ass.: A. T.”

sábado, 5 de maio de 2007

Sempre amei poesia, devorava Drummond com uma ansiedade única, e vez ou outra, arriscava arranhar alguns versos em minha vida. Há algum tempo, percebi que não possuía mais essa habilidade. Era árduo transmitir algo poeticamente. Rabiscava, "rebiscaba", "birriscava", "trirriscava" versos e nada saia dentro de minha alma muda. Um dia amanheci pra os meus desencontros e vi a resposta que tanto procurava:
Eu não precisava mais de poesia, a realidade agora mostrava-me a poesia limpa e crua: o meu amor. E amor é sim aquele bichinho inexplicável, e como diria Drummond , é instruído, é vida que corre nas veias. Fica os versos que colhi em meio a "bagunça do meu coração":

Amanhecer da alma

Fixo o dia em minhas veias,
Enfim, o horizonte demonstra-me seus olhos apreensivos.
Guardo em um suspiro o cheiro doce de sua respiração,
e dentro, o raio de sol rompe o caminho no escuro.
O belo mistura-se à brisa dando formas a vida.
Nascem as flores com o despertar do dia.
E tu, canção de meus olhos, faz-se presente.
Repousas em meus lábios,
abranda-me a alma com o desenhar de teu sorriso .
Carregas contigo os meus desatinos,
e as confissões de quem quer e anseia o inebriar.
Fica os resquícios de minha pele coberta com teu cheiro,
e os sonhos construídos na candura de teu estar.
Dentro, novamente o escuro faz-se presente,
recolho-me ao sono dos que esperam.
Aguardo o chegar do som brilhante que anuncia o céu noturno.
Desperto...
E então vislumbro-me com o amanhecer que acorda.
És tu, alma presente, presente da alma.
O silêncio fixa o encontro,
E a música exalada pelo ruído de seu sorriso,
Proporciona-me vida, dá-me um chão,
E mostra-me finalmente o amanhecer da alma que eu tanto ansiava.