quinta-feira, 19 de abril de 2007

Visitas Noturnas (08/04/2007)

Todos os fantasmas de sua vida devoraram as poucas estrelas que restaram acesas aquela noite, e como que em coro seus pedaços foram falecendo e caindo diante da pequena mulher que observava tudo pela janela com olhar resignado. O som do piano atormentavam-lhe os pensamentos, e os cacos perdidos em algum lugar do coração transbordavam e escorriam pela sua face, em instantes pôde saber que nem tudo era exatamente como ela desejava, assim como já imaginava, assim como seria no seu mundo povoado por falsos heróis.
Caminhos do seu passado foram rearranjados em sua lembrança, em sua música e foram estilhaçados pela sua mania de procurar o óbvio nas coisas complexas e por grande parte da sua teimosia em acreditar. Mas em noites escuras, noites solitárias em que tudo parece distante, o óbvio fugia por entre seus dedos, o passado virava um emaranhado de idéias perdidas, de sentimentos descabidos e de fugas que sempre levaram à um ponto comum. O ponto que tocava na sua alma de forma rude, que a arranhava, que a fazia sangrar e a deixava inerte apenas sentindo que talvez o fim estivesse mais próximo do que ela pensava. O ponto que mostrava-lhe o lado verdadeiro de tudo que omitiram.
Sim, sua inocência havia sido perdida na última lágrima que ela derramara, sua esperança tinha ficado no último copo vazio, sua paz fora esquecida em algum momento de uma lembrança distante e cuidadosamente guardada em sua partitura em forma de notas felizes que com o passar do tempo se tornaram sinistras demais pra serem tocadas.
Tentar aceitar a realidade crua nunca foi seu ponto forte, seu alicerce de idéias ou até mesmo uma base sólida para que ela construísse suas expectativas, suas explicações e suas convicções sobre tudo que não podia entender. E eis que o fim de todas as coisas que eram seu porto seguro entravam pela janela, pediam abrigo em seu coração e pousavam diante dela escancarando a expressão de quem tem pressa, de quem não quer um talvez, de uma inquisição muda vista no brilhante de cada ponto de seus olhos.
Agora, sozinha com seus pensamentos, pôs-se a observar as gotas da chuva que passeavam na sua face, sufocou o grito, o protesto e o resto do que seria aquela noite no travesseiro e dentro de si. Amordaçou seus sentimentos, entregou-se aos seus lençóis e ao quarto que escancaravam formas que eram tão frias quanto as cores de seus olhos.
Enfim, após muitos anos aflitos, ela conseguiu descansar nos braços de anjos que povoam o pensamento das crianças, sentiu em cada gota de seu sangue o frio pela dúvida, pousou as pálpebras de forma que o ruído de suas lágrimas fossem música, e então, diante da primeira e última canção de ninar que ouvira em toda sua vida, pôde finalmente dormir o sono dos que acham que há algum sentido em apenas existir, dos que perdem um dom divino devido a criação de uma geleira no coração, dos que passam pela vida solitários, calados... Assim, como se fossem apenas um retrato na parede.

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