quinta-feira, 19 de abril de 2007

O Brinco (30/03/2007)

Há tempos ela estava parada na janela, observava o brilhar das estrelas ressoarem música de ninar em seus ouvidos, e passava horas a imaginar porque os gritos no prédio ao lado pareciam gritos de sua alma, a noite estava escura, escura de céu alaranjado enevoado, e entre um suspiro e outro ela confundia o chegar de um novo nevoeiro com a fumaça de seu cigarro. Por entre os tilintares da taça de vinho que segurara e que lhe escapou das mãos, lamentava a sua inexistência e singularidade em meio a tudo que amava. Perdeu horas lembrando os lugares de sua vida, as emoções em meio ao nada, e a estrada que tantas vezes mirou com descaso, e que ficava pra trás cada vez que ela tentava buscar o Eu dentro do seu próprio eu.
Sentou-se na cama, e atentamente buscou em meio sua caixa de bijuterias a outra peça do Brinco que perdera, vasculhava os pensamentos procurando uma pista, desintegrava cada minuto daquela noite em milésimos de segundos e nada encontrava no vazio de sua memória. Inerte, ela observava prolongadamente a peça que lhe restara e que tinha em mãos, mentalizava cada sorriso dado em sua companhia, cada sonho construído em que o adorno principal era a inocência da juventude, cada gota de tudo que foi embora e que nada significava assim como a outra metade de tudo que perdeu. Agora, diante do espelho ela desviava o olhar de sua face e buscava um outro foco, tinha medo do nublado cinza de seus olhos lembrar-lhe todos os fantasmas que ficavam escondidos atrás da porta e nos vãos obscuros de sua lembrança.
Sentia em seu peito apenas uma sensação de vazio, uma certa mistura que se manifestava como um ressentimento devido ao abandono instantâneo da parte de algo, que mesmo simbolicamente, um dia foi seu. Nos lábios ficava o gosto amargo do ciúmes de quem possuiria em algum canto especial aquilo que para ela, no momento que foi necessário nada significou.
Suspirou bem fundo, do suspiro de quem sabe que tudo terminou, que não tem como voltar atrás, e que as soluções se esgotaram assim como o tempo que corria na sua frente aquele instante. Retocou a maquiagem, recriou a máscara que a protegia dos desencontros do mundo e jogou a peça do Brinco que ainda tinha, dentro de uma caixa vazia em algum canto. Juntou algumas notas que encontrara em meio as suas coisas, e foi à loja de bijuteria mais próxima procurar um brinco novo. Do lado de fora, bem no cantinho, misturado à teias de aranhas, sapatos e restos de papéis que se perderam com o tempo, estava o Brinco. Inerte, brilhante, tão solitário quanto ela, quem sabe buscando, tentando e lá no fundo, em meio aos seus desejos íntimos, a esperando.

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