quinta-feira, 22 de março de 2007

Episódio 2


(...) Resquícios do passado dançavam em sua memória naquele instante, dança essa que exalava a monotonia das infinitas noites cobertas por uma escuridão aparentemente irremediável. Sentiu aquele frio na espinha subir suavemente e cobrir seu sangue com um fluído gélido de forma arrebatadora...
Ela, como já era de se esperar, lutava contra todas as sementes deixadas em sua alma num tempo que nada fez sentido. Enquanto observava atentamente o andar rítmico de um estranho na rua, pôs-se a pensar em todos "não ser" e "quase ser" que viveu em tempos longinqüos, tempos que se perderam de tão distantes nos seus pensamentos e que agora, pareciam-lhe um filme visto na sua infância no qual grande parte escapou de sua lembrança.
Diante dela, reavivaram-se os fantasmas, os pesares e o adeus que guardou dentro de um canto do coração junto com um último suspiro de saudade. Naquele instante lamentou-se por não conseguir se desprender do passado, desceu do ônibus e se dispersou perante a multidão matinal que enfrentava antes de chegar ao trabalho. Dentro do coração algo pedia abrigo, dentro da alma um vazio se ressaltou diante da harmônia, dentro da cabeça: "bloquear, excluir e depois , como já era hora, enterrar"...(...)

quinta-feira, 15 de março de 2007

Episódio 1

(...) Diante do horror de cada dia, ele tinha em si um olhar que se perdia dentro da alma. Não existia um foco de luz, ou algo a mirar. Ele estava todo voltado para dentro do seu própio eu. Estava voltado para as suas angústias e emanava uma tristeza empírica em cada ponto que definia o negro de seus olhos. No início ela teve medo, depois se habituou. Procurava não olhar mais pra aqueles dois opacos pontos negros em sua face pois tinha receio de se perder em meio aquela escuridão. (...)

quarta-feira, 14 de março de 2007

Essa talvez vá pra você

E então continuamente ele a observa pelo espelho, olhos miúdos, boca fina. Ficava a imaginar o que ela teria feito na noite passada, o que fazia agora, ou o que pensava sobre a lei Maria da Penha. Se perdia diante de seu olhar mediano de quem busca estrela em copo vazio, de quem tem algo preso no fundo da alma e não quer soltar. Em uma pequena fração de segundo percebeu todo o mundo que poderia descobrir dentro daquela face, todo um universo afável ali, bem ao alcance pra que ele pudesse tocar.
Desistiu... Pensou em distrair-se novamente com o jogo de luz, ou com a bebida que lhe dava asas nos pés e uma vertigem enebriante. Em vão... Ela lá, ele cá, como se nada tirasse da mente o descobrir do novo mundo. Pegou o copo da força de um vencedor, olhou pra o fundo dele e pensou: "Talvez amanhã, quem sabe, eu consiga encontrar uma estrela aqui", se indagou sobre aquele cheiro que o deixava tonto, olhou para os lados novamente e não a encontrou mais.
Aquela noite foi para casa de ônibus, via os carros passarem perplexo, via seis dedos em sua mão e achava pouco demais. Olhou novamente pela janela e então pode ver o seu rosto refletido nela, e novamente se questionou sobre a facilidade com que se apaixonava por essas criaturas estranhas que por acaso cruzavam o andar lento de sua vida. Se pôs a observar a garota no fundo do ônibus, continuamente... Pra quem sabe encontrar um novo mundo. Pra quem sabe, em dias assim, perceber que o rumo não está em outros passos, olhares ou vidas. O rumo estava escondido em algum lugar bem escuro, bem pequeno, que admiravelmente estava dentro dele.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Insônia

Estou cá, sentada em frente ao monitor, olhando... E refletindo, pra me distrair, sobre como as pessoas transfiguradas em mundo ao me redor são "elas". O calor continua reinando e o vazio nos pensamentos deixa uma pequena angustia no peito. Procuro palavra, vírgula, porem e porquê. Mas tudo cala, o sentimento vira algo indissolúvel em lágrimas, vira algo entalado na garganta e na janela da alma. O orgulho segura as mãos que buscam o afagar de seus cabelos, a sede de sua vida é saciada com água pura, água pura que não saceia nem essa minha vontade de deitar no teu colo, entender, chorar e depois me pegar rindo de qualquer bobagem que nós sempre falamos sobre o tempo, por exemplo.
Observo-te lá a descansar, fico inerte, só a imaginar todas as construções que você colocou entre nós pra me impedir que explique, talvez porque já conheça todas as minhas explicações, talvez porque elas sejam inúteis pra você agora. Fico pensando porque foi mesmo que fiz ou deixei de fazer, porque foi que não me calei na hora certa, que pedi seu olhar que me conforta no instante do boa noite, porque foi que segurei tudo, guardei tudo e fiquei com esse sentimento de não sei o quê me prendendo as asas que foram construídas ao seu lado.
Em dias assim gostaria de fugir, de te levar em meu foguete de papelão estacionado em um canto bonito de meu coração até passargada. Gostaria que você percebesse que tudo que faço de errado é porque sou imatura, sou sua pequena de porcelana, que aprende, compreende, mas vez ou outra fica perdida em meio as coisas que não pode resolver, as coisas que nem ela compreende. Em dias assim a falta de seu carinho me deixa sem um rumo, me deixa a vagar, me deixa quieta do seu lado te observando dormir, sem ação, apenas sonhando com o dia que todo esse desentendimento terá fim e que eu poderei dormir na paz dos teus braços novamente.