Choveu muito lá fora. Noite longa, vento forte. E o Abismo...
Quanto mais pessoas, mais só torna-se a existência de nossas vidas. Mais só são as margaridas no jardim lá fora, e mais inexplicáveis tornam-se os sonhos em meio a madrugada.
Ninguém se conhece, se entende. E se conhece despreza, se entende esquece. É difícil colocar-se no outro, e o nosso egoísmo vem nos tornando cada vez mais solitários em um mundo em que não vale a pena entender.
A estranheza vive nos corações. E por mais que socializemos, que sorrimos de piadas por cordialidade, que bebamos dois dedos de vodka com maracujá ao som de jazz e ao cheiro de cigarro, nunca somos o que somos e fazemos o que de fato queremos. Ou por medo, ou por mediocridade, ou pela máscara que já está tão grudada que não sabemos onde começa ou termina.
Dia seguinte só nos resta à ressaca, as palavras que já esquecemos, o som e as cores que guardamos na memória virtual do nosso cérebro. Algumas irão embora, algumas são pra vida toda.
“Era sexta, estávamos na Lapa, sentados na sarjeta filosofando sobre como não queríamos nossa futura filha ali, sendo desviada do caminho com um copo de caipirinha na mão, eu era uma ovelha negra e ela nunca saberia disso, seria o nosso segredo. Aquela foi a primeira vez que vimos nossa banda favorita juntos. Nesse dia o destino elegeu Último Romance como nossa música, e a escolha foi selada com aquele beijo enquanto Amarante a cantava pra nós. Nunca me esquecerei dos seus pequenos olhos, do boné, e do seu jeito de se declarar sem dizer, aqueles olhos ficarão guardados aqui pra sempre, e nunca irão embora. Na manhã seguinte passarinhos cantavam na minha janela, finalmente havia descoberto que minha existência não estava fadada a solidão.”
E hoje, ao pensar em tudo fica uma coisa estranha no peito. Vejo a multidão pequena demais diante da solidão na qual está fadada. O mundo agora é o deserto que cultivaram pra que as pessoas não possam se encontrar.
Olho pra tudo que tenho e fica o medo. Ficam as imperfeições. Ficam os perdões. As promessas. Ficou você. E até hoje fico me perguntando, me questionando, me interrogando. Somos almas gêmeas? E veio ele me dizer:
"Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra — talvez por isso, quem sabe?" Caio F. Abreu
Um comentário:
nossa!
bela construção a partir das imagens que mudam de sentido com o desertificar do trama.
imagino se esse texto adveio de um mundo fantástico ou de uma expressão do cotidiano.
e se esse último for, deveras triste é sentir as areias sob seus pés. =/
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