Era sexta. Dia que tudo acontece e começa. Eram jovens. E de fato só isso interessava. Ela gostava dos seus óculos, do seu sorriso e do seu sarcasmo. Ele gostava dela e nem sabia por quê. Eram diferentes. Ele buscava o céu e ela a terra. Ele buscava aventura ela postura. Conheceram-se na pior hora pra se conhecer e se afastaram porque era óbvio que ia dar errado. Nada aconteceu, palavras foram jogadas ao vento e se perderam por ai. E só.
Quatro anos depois ela era Engenheira e ele estava prestes a concluir Filosofia. Era o cálculo versus os sonhos. Eram amigos de conversa de elevador. Ele se casou, ela foi a Paris, Londres. Viveu no Canadá por 2 anos e só namorou sério uma vez e deu errado.
Quando se encontravam se falavam sem se entender. Tinha um quê entre os dois que ninguém compreendia, ela tinha uma necessidade imensa de ter sua atenção e aprovação e ele fazia questão de mostrar que pouco se importava com qualquer coisa que ela estava falando. A noite, enquanto sua mulher comentava como os preços estavam subindo ele ficava pensando porque as palavras dela grudavam em sua mente, tentava descobrir alguma coisa entre aquelas linhas. Não descobria nada, ia dormir.
Ele não era feliz, ela também não.
Novamente sexta, se encontraram em um bar. Ela queria sair ele queria se distrair da vida. Beberam demais. Falaram demais.
- Você gostava de mim?
- Eu? Sei lá.
- Sei lá?
- Tá certo, eu imaginei que você fosse minha alma gêmea por algum tempo.
- Mudou de idéia?
- Eu cresci.
- E daí?
- Às vezes a gente creste tanto que não tem espaço pra algumas coisas, sabe?
- Hum... Eu gostava de você, de verdade. Achei alguma coisa dentro de você e pensei que ninguém percebia. Eu te via de um jeito que ninguém nunca te viu eu garanto.
- Por que você tem tanta certeza?
- Porque eu ainda te vejo assim, mas ninguém percebe, nem você.
- Humpf! Você ainda continua dando uma de esperta.
- E você ainda dá esse “humpf“ ridículo quando acha que eu sou esperta. Por mais que você esconda pra mim parece tão escancarado. Você é como um ratinho preso naquelas rodas, sabe? Você sabe o que quer, mas nunca chega lá. Dá voltas e voltas por ingenuidade. Você é tão ingênuo. Atrás desse ar de maioridade você não passou dos 20, e nunca vai passar, talvez por isso você ainda me incomode. Você é o mesmo que eu amei um tempo atrás.
- Eu te incomodo?
- É.
_ Você também me incomoda, só pra saber.
Sorriram. Ele ficou olhando pra ela um tempo, ela também. Ela deu o seu número de telefone e disse que ele poderia ligar quando quisesse. Ele disse que ligaria. E ela sorriu novamente. Ele chegou em casa e enquanto sua esposa dormia pensou em ligar pra ela. Ela chegou em casa e sentiu vontade de ouvir a voz dele antes de cair no sono. Ambos pegaram os telefones, mas não ligaram.
Na manhã seguinte ele a encontrou no parque, tinha na sua cabeça tanta coisa, tanta coisa como no dia que resolveu se declarar há uns anos atrás e ela disse que iria se mudar, e que poderiam ser amigos, e ele desistiu.
- E ai de ressaca?
- Eu? Eu nunca fico de ressaca, sou uma ovelha negra. Você que é homem de família.
- É... Sobre ontem, sobre o que falamos.
- Ah! Quanta bobagem eu falo bêbada. Eu fico boba bêbada, sabia?
E riu, como se tudo fosse besteira, e não valesse mais que um copo de vodka seguido de tequila.
Ele pensou um pouco, mexeu na folha no chão com os olhos baixo e disse.
- Pois é, eu também.
- Bom, eu tenho que ir , estou atrasada pra o almoço.
- Tá legal nos vemos por ai.
Ela novamente sentiu aquele nó na garganta. Ele jogou seu telefone no lixo. Ela continuou com aquele sentimento estranho, ele se separou e casou novamente, e novamente. Nunca se completaram, nunca se entenderam. Ficaram por ai, girando, girando. Os ratinhos em seu brinquedo. Buscando o que não queriam, amando o que não deviam. Lá no céu um anjo ficou triste. Eram almas gêmeas, e nem sabiam.
A vida passou, o vento passou, os anos vieram. Estão sozinhos cada qual no seu canto, e o que ganharam? Ganharam a certeza que os jovens erram, e que os velhos também. É a vida. Ninguém disse que ia ser fácil. E de fato, não foi.