Eu cá, imersa em tantos “poréns” que a vida (de terno e gravata) coloca diante de mim havia me esquecido de lá. E hoje me veio uma saudade e um medo tão grande que transbordou em frio aqui dentro e lá fora. Por algum motivo que não entendo ainda chamava aquela terra de casa, ainda lembrava do cheiro das cortinas e do tempo seco que atacava sinceramente minha rinite. E por mais que eu tenha me acostumado com a maresia das manhãs daqui, com meu travesseiro e com minha cama, ainda me confortava saber que eu poderia voltar a qualquer hora que minhas lembranças estariam guardadas ali.
Hoje me tiraram um pedaço, pois quando eu voltar será outra casa, não terei mais um quarto que me espera, nem os sonhos que passaram, nem as lágrimas que ficaram presas em cada canto daqueles momentos que vivi. Esquecerei do primeiro adeus que me quebrou o coração, dos primeiros passos da minha cachorra e do último suspiro acompanhado da solidão, e por mais que eu quisesse me conformar que a minha vida é um ciclo a estagnação daquele lugar me dava a segurança de que todo meu passado seria meu pra sempre enquanto ele existisse, enquanto os meus anjos estivessem naquela cabeceira, enquanto resquícios das minhas roupas estivessem naquele armário, enquanto todas as minhas alegrias e tristezas estivessem guardadas naquele cheiro que eu voltava a sentir quando voltava pra casa, mesmo que por poucos dias, ou por poucos segundos em meus pensamentos.
Imagino agora que quando voltar será outro Eu dentro daquela cidade, e aquilo tudo será tão indiferente as minhas lembranças que perderei o lugar onde o meu passado se encontrava. O ponto onde tudo havia parado pra me trazer de volta a vida, mas que havia ficado ali por muito tempo, esperando o dia que eu quisesse voltar e reviver tudo que fui por alguns segundos. Hoje a sensação que tenho é que perdi o meu passado.